Padre a maçom

27/03/2014 13:40

Não se trata de situação inédita na vida do clero brasileiro, a que podemos registrar com o padre Torquato Antonio de Souza que foi ao mesmo tempo religioso, membro efetivo e influente da Igreja católica no Amazonas, e maçom, associado a ordem que, naqueles anos, muito mais do que agora, se ressentia da alta repressão propagada pelos católicos, que chegavam a levar a excomunhão dos que dela participassem.

Padre Torquato nasceu em Vigia ou Salina, ordenou-se em 1.º de junho de 1833 e exerceu suas atividades clericais entre outras missões no Xingu e em Vila Nova. Pretendia ser soldado mas seu pai o enviou para o Seminário de Olinda. Depois foi missionário entre os mundurucus e entre os jurunas, onde estava há 8 anos quando encontrou-se com Alberto da Prússia com quem viajou por toda a região do Xingu, e conheceu de perto a convivência indígena contando as estórias de cobra boi-açu ou boa constrictor, e outras tantas, foi considerado como, “... fiel companheiro de viagem...”

Tipo humano jovem e forte naqueles anos a figura esguia e musculosa de chapéu de palha e com casaco à brasileira, o rosto queimado do sol do padre que deveria ter cerca de 30 anos de idade, contando com muito prestígio junto aos índios do interior da Amazônia, conforme ressaltado pelo próprio Príncipe e viajante em seu relatório.

Foi vigário de Sonsel, que tinha de 40 a 50 cabanas de barro, com a casa do padre caiada, a Igreja em honra a São Francisco, em péssimas condições na frente da qual um alta cruz de madeira num pedestal quadrado de barro contemplava a mata, e ao lado, a armação do sino que servia para despertar os fiéis quando da hora dos santos ofícios. Era uma igreja pequena, de chão de barro, ali instalado pelos jesuítas em 1788 formando a principio um núcleo com cerca de 800 habitantes.

Em 1.º de novembro de 1841 havia estado levantando pela segunda vez a Cruz de Cristo no Lugar Tavaquara, a que deu o nome de Missão da Imperatriz. Era uma região distante onde os antigos missionários conseguiram chegar mão não fizeram progredir o núcleo urbano.

Em 1849 participou pessoalmente da reconstrução da Igreja de Vila Nova, suprindo serviços de carpinteiro. Em Vila Nova era o mestre-escola, apoiando diretamente 30 alunos e ensinando música desde 1858 sendo o primeiro professor efetivo da escola de meninos criada pela Lei n.º 146, de 24 de outubro de 1848, mas só assumiu o cargo depois da Lei n.º 15, de 18 de novembro de 1853.

Os primeiros registros de sua atuação naquele município são de 21 de janeiro de 1834, no Livro I, realizando batizados seguidamente até 24 de abril de 1835, assinando como “Vigia encomendado” ou no Livro II, como assina de igual forma no período de 20 de dezembro de 1848 a 6 de agosto de 1854, e logo depois em 5 de março de 1849, assinando como “Vigário interino”. Inclua-se o batizado da menina Virgínia, filha de Josefa Isabel, escrava de Felipe Gomes de Oliveira Seixas que, no ato foi declarada livre na presença das testemunhas Joaquim da Silva Meirelles e Antônio Ferreira Franco.

Em 12 de junho de 1847 recebeu a visita pastoral de dom José Afonso de Moraes, bispo de Belém, ao tempo em que o padre Sanches de Brito era o vigário-geral do alto Amazonas.

Foi deputado Providencial por longos anos, e autor da Lei n.º 75, de 14 de dezembro de 1857, que criou a primeira escola feminina em Vila Nova. Em 1852 era vice-presidente da Mesa da Assembléia Provincial. Em 1868 foi o autor do projeto de Lei que transferiu a sede da freguesia de São João de Castro da povoação de Baetas para Manicoré.
É deste período o seu projeto de projeto de elevação da freguesia de Vila Nova da Rainha à categoria de vila com a denominação de Vila Bela da Imperatriz, aprovado em 15 de outubro de 1852. Outro projeto de sua autoria deu o nome de Comarca de Parintins, contrário ao que pretendia o deputado Manoel Thomás Pinto com a denominação de Luseá.

Com a renúncia do cônego Azevedo e do novo presidente eleito, cel. João Henrique de Mattos, acabou presidente da Assembléia Legislativa provincial em 12 de outubro de 1853, sendo eleito secretário da Mesa em 9 de agosto de 1854, para o período de 31 de julho de 1854 a 3 de outubro de mesmo ano. Em 1855 voltou à Presidência do Poder Legislativo para o período de 1.º de maio de 1855 a 11 de julho; fato repetido em 1856 no período de 6 de julho de a 6 de setembro, sendo deputado em várias legislaturas seguidamente.

Foi o 1.º reitor do Seminário São José, criado em 14 em maio de 1848, permanecendo em tão importante função desta data até 10 de dezembro do ano, quando foi substituído pelo cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo.

Em meio a sua vida de religioso, político, professor, presidente da Assembléia Provincial, dedicou-se à maçonaria, causando espécie aos do seu tempo, que o reconheciam em reunião interna das lojas.

Em 12 de julho de 1873, em Manaus, e na Loja Maçônica Esperança e Porvir, assistiu à iniciação de Claudino Manuel Veloso e José de Souza Lima e à filiação de Guilherme José Moreira e Francisco Souza Raposo, conformo registra Rodolpho Valle em importante estudo sobre a instituição maçônica no Amazonas. Na ocasião deixou firmado em carta dirigida àquela Loja sua posição pessoal diante dos problemas da época,
 

... mercê do Grande Arquiteto do Universo não temo
ameaças dos que se bão declarado inimigos da nossa
Sublime Ordem e procuram fazer reaparecer, (engano!
Cegueira!) novas fogueiras.


Em 1876 estava em Manaus, tendo recebido então visita de comissão especial da Maçonaria composta por Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, Manoel Gonçalves Ferreira e Bernardo José de Bassa, devidamente autorizados pela mesma Loja Esperança e Povir, em sessão de 23 de março, quando recebeu a Constituição Maçônica e o Regulamento Geral da Ordem.

Em 1877 integrou a Comissão Regularizadora da Loja Amazonas, sob a presidência do padre Eutíquio Pereira da Rocha ao lado de Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, Silvério José Nery e Bernardo José de Bessa.
Era, com se vê, maçom e ativo, numa época em que eram profundas as discordâncias entre a instituição e a Igreja católica.

Ver também: Um caso entre maçom e a Igreja católica.