Marombas

26/03/2014 17:23

Texto escrito por Almir Diniz.

Muito antes que os criadores de gado bovino da várzea do Careiro “descobrissem” a importância dos “retiros” na terra firme para a salvação dos rebanhos durante as enchentes, predominavam em todo aquele núcleo pecuário varzeano quando vinham as cheias, as utilíssimas e famosas marombas. Eram construções rústicas sobre palafitas normalmente cobertas com folhas de zinco, vezes com palhas brancas de palmeira nativa, o piso de paxiúba, piranheira, itaúba ou louro-chumbo. De ambos os lados e por fora das caiçaras – cercaduras em ripões com espaços para dar passagem às cabeças dos animais famintos – e em toda a extensão do abrigo vacum provisório, duas imensas cocheiras estendiam-se amplas, prontas para receberem a ração diária de forragem verde, colhida nos canaranais às margens dos lagos distantes, e conduzida pelo capineiros em canoas especiais. Além desse tipo de maromba, mais comum e mais tradicional, edificado desde o início do século XX na ilha do Careiro e adjacências pelos primeiros colonizadores e introdutores de bovinos na várzea careirense, outro dois tipos eram usados conforme as condições econômicas daqueles sacrificados criadores. Uma era flutuante, erguida sobre toras de açacu com alto poder de flutuação, soalhada com tábuas de copiúva, andiroba ou louro-gamela, tendo por cobertura palha ou lona, ou seja uma tapera de bubuia, rústica mas resistente as duas ou mais enchentes. Era o modelo possível à disponibilidade financeira dos pequenos criadores, donos de poucas cabeças de gado. A outra, construída a partir de alicerces de pedras em bloco ou dormentes de piranheira, tinha o caixão preenchido com barro, areia e cascalho, sendo que o aterro, não raro, era revestido de solo-cimento e as cocheiras trabalhadas em alvenaria de tijolos. Era o abrigo preferido dos criadores mais fortes, proprietários de médias manadas.

Seja como for, pequenas ou grandes, flutuantes ou plantadas na terra antes da alagação, todas elas só eram utilizadas nos meses de pico das cheias, dois ou três no máximo. Mas o corte de capim aquático – a canarana – prolongava-se por quatro a seis meses, independente de o gado ter sido ou não levado às marombas.
Estabulado por assim dizer o gado, ficavam os proprietários dele na contingência de alimentá-lo com forragem verde à qual adicionavam farelo de trigo e sal grosso.

Diariamente, uma ou duas vezes, conforme a disponibilidade de alimentos, os cochos recebiam a ração, pena de (o gado enfraquecer e ao descer do abrigo para os campos ainda encharcados ou transformados em lama), torna-se presa fácil a doenças próprias de ocasião, registrada sempre na descida das águas. Tributo à fraqueza e ausência de cuidados.

A rudeza do trabalho estressante do corte de capim aquático, a dificuldade da colheita de canarana nos lagos centrais da ilha do Careiro – o famoso lago do Rei, à frente – devido ás queimadas indiscriminadas e criminosas da grarnínea seca feito colchão estendido ao longo das terras baixas, ressequidas em consequência do sol e da vazante, foram a pouco diminuindo as reservas imensas de capim flutuante, o que obrigou os criadores a irem-na buscar nos beiradões do Catalão, lago do Janauari e ilhas da Marchantaria, Muratu, Jacurutum, Maria Antônia e Paciência, no rio Solimões.

Quando os canaranais demonstravam exaustão, quer nos lagos como nas ilhas, os criadores, em face da escassez do produto nativo, indispensável aos seus animais, chegaram à conclusão de que teriam de encontrar um sucedâneo para a gramínea e uma nova forma para abrigar os rebanhos durante as enchentes, porque sem o recurso da canarana o gado morreria à fome, nas marombas. E encontraram-no nas faixas de terra firme próximas ao Careiro – Araçá, BR-319, Janauacá, Puraquequara, Rio Preto da Eva.

Nas citadas localidades adquiriram áreas propícias à finalidade. E em especo reduzido de tempo, os antigos roçados de mandioca e cana, cará (branco ou roxo) e feijão, batata e milho... foram transformados em campos de pastagem – pasto artificial adaptado – campos que, na atualidade recebem o gado egresso da várzea alagadiça, quando a enchente vem.

O transporte do gado da várzea alagada para a terra firme é penoso e traumatizante não raro resultado em baixas lamentáveis quando do embarque e desembarque das reses em balsas e batelões adaptados para tal fim.
Consequência dessa drástica mudança de hábito foi o desaparecimento paulatino das antigas e inúmeras marombas que, num passado recente se haviam constituído no único meio conhecido de proteção do gado leiteiro, da bacia do Careiro, durante a ocorrência cíclica das enchentes.

Das antigas e românticas marombas – símbolos criativo dos colonos da ilha – restam umas poucas de pé como a compor na memória das novas gerações, a História de um período de sacrifícios vencidos, felizmente, pela determinação de homens que ali chegaram corridos das secas do nordeste brasileiro.